As pessoas que tentam agradar os outros à custa de si mesmos. Os chamados People Pleasers.
Esta semana trago um assunto que penso ser importante, porque toca de forma directa naquilo que considero ser esquecido inúmeras vezes nas relações que estabelecemos nas nossas vidas.
No meu entender existe uma soberania individual que até ser vista como tal, permanece fora das nossas órbitas conscientes e por essa razão caímos em modelos de comportamento que nos desfavorecem e cujos danos são enormes.
Um desses modelos de comportamentos é o querer agradar a todos, ou o perfil do People Pleaser.
“O nosso teatro inicial, é baseado na nossa infância, nas relações do padrão familiar, normalmente como os dois pais. Depois, nós vamos querer reproduzir esse teatro nas outras situações sociais.”
Entrevista a psicóloga Anabela Liberato a propósito deste tema que, no contexto da saúde mental, está relacionada com outros tópicos e assim se pode afirmar que estas “coisas” estão todas ligadas.
Anabela Liberato é licenciada em Psicologia pela Universidade Portucalense, com um mestrado em Psicologia do Comportamento Desviante e da Justiça pela Faculdade de Psicologia de Ciências da Educação da Universidade do Porto. A sua área de investigação são os padrões eletrofisiológicos das perturbações de impulsos dentro da neurologia. Actualmente, dá consultas em formato online ou presencial na clínica virtual Saúde da Mente e também na clinica OPFC. A sua abordagem é a cognitivo-comportamental.
O que é um People Pleaser?
É uma pessoa com a auto-estima danificada com uma insegurança acerca do seu Eu interior que sofreu uma desestruturação e que desenvolveu uma tendência para agradar o outro, onde numa balança imaginária, os interesses do outro se sobrepõem. Há uma tentativa de integração numa comunidade, num grupo ou numa relação onde surge este pensamento de que se eu agradar o outro, sentir-me-ei também eu agradada e feliz. É um bocadinho este balanço, as pessoas com estas características têm um olhar mais profundo sobre aquilo que agrada o outro e muitas vezes não sabe o que é o seu próprio agrado.
Se fosse possível traçar um perfil, que tipo de comportamentos costumam ter os People Pleasers?
Faço a analogia do camaleão, de comportamentos do camaleão. Se eu estou com determinado tipo de pessoa, eu vou-me adaptar ao que o outro está a dizer. São comportamentos muito baseados no medo. No medo de perder aquela pessoa, por exemplo no contexto íntimo, a pessoa está constantemente com sensação de culpa, de perda e de abandono e questiona-se muitas vezes, o que será melhor para que a outra pessoa se sinta agradada e não me abandone. E daí surgem dúvidas constantes como o “será que ele me ama, ou gosta de mim?” e quando perguntado o que se gosta, é muito comum a pessoa responder que não sabe.
Há muita insegurança e flexibilidade e há também a sensação de que se é responsável pelas emoções do outro. Tenho em algumas consultas pessoas que não conseguem dizer que não porque ele ou ela,” vão-se chatear”, mesmo em situações aparentemente banais, mas que são complicadas, o que é um peso e uma pressão que a pessoa exige a si mesma.
Quais são as origens e causas destes comportamentos?
Eu, como psicóloga, tenho uma abordagem biopsicossocial, que significa que geneticamente nascemos com alguns traços que depois a introdução do ambiente acaba por potenciar. No que toca à baixa auto-estima, insegurança e fragilidade do eu, normalmente eles estão associados a um trauma emocional, ou vários, que tiveram o seu início na infância.
Maioritariamente estes traumas acontecem no nosso padrão familiar, em quem cuida de nós e à medida que vamos estruturando essa parte cognitiva e emocional, ou seja vamos “aparafusando” com as outras experiências sociais.
Eu costumo dizer que o nosso teatro inicial, é baseado na nossa infância, nas relações do padrão familiar, normalmente como os dois pais, que são as figuras mais fortes na construção da nossa personalidade. Depois, nós vamos querer reproduzir esse teatro nas outras situações sociais.
Existe também a associação de que em criança estas pessoas não se sentiram ouvidas, não se sentiram protegidas, ou ter havido alguma negligência parental onde a voz da criança não tem qualquer tipo de importância.
Quais são os danos que estes comportamentos causam?
Podemos sublinhar estas palavras, a supressão emocional, ou seja, há uma internalização das emoções que não são validadas ou processadas. Quando não são geridas e postas nas suas “gavetas” certas, gera-se aquilo uma reacção fisiológica que é a “melhor amiga” da supressão emocional, a perturbação da ansiedade, coisa que a nossa sociedade tende a banalizar um pouco dizendo que é normal estar deprimido ou estar ansioso.
Depois da infância e com este quadro de supressão emocional, nós inconscientemente acabamos a procurar os nossos medos, as nossas “falhas” e vamos encontrar pessoas e relações onde reproduzimos os nossos padrões e isso reforça o que a nossa criança interna pensa, que é “ninguém gosta de nós, eu estou sozinha, eu vou falhar, eu não sou o suficiente” etc..
No fundo o nosso maior desejo é o nosso maior medo.
Dou-lhe um exemplo, se o namorado desmarcar o encontro, a pessoa vai criar um pensamento intrusivo onde se gera a ideia de que o namorado já está desinteressado e a vai abandonar. Ao agir sobre essa emoção, a pessoa X acaba a reagir falando mal ou comportando-se de forma estranha, que em retorno intensifica a sua crença da rejeição já que provoca também uma reacção de estranheza por parte do companheiro, ou seja, cria a autossabotagem.
Que tipo de pessoas é que os People Pleasers costumam atrair?
É uma questão interessante, já que normalmente só vemos estas coisas do ponto de vista da vítima. Se falarmos no perfil do narcisista, ele é também alguém com imensa baixa autoestima que também procura agradar os outros, mas com o objetivo de retirar algo do outro e o controlar. É, portanto, bastante comum que exista um narcisista nestas relações, porque este “ajuda” o chamado People Pleaser a co-criar as condições para a rejeição crónica já que a faz sentir ouvida e amada, mas apenas como um engodo. Este tipo de relação não tem de acontecer apenas no foro íntimo. Pode ser no contexto profissional ou familiar, mas é muito comum existir um abusador.
A partir de que altura é que se deve pedir ajuda?
Não existe propriamente uma altura certa para pedir ajuda profissional. Deve ou pode existir um autoquestionamento que muitas vezes ajuda a pessoa a perceber porque é que age ou se comporta de determinada forma. Quando isto já não resulta, estamos perante a possibilidade de um limite onde a pessoa já não consegue lidar com os seus comportamentos. Normalmente as pessoas quando aqui (ao consultório) chegam já vêm com a consciência de que já não aguentam mais.
No contexto terapêutico, como é que funciona, como se trata?
O psicólogo não tem uma relação íntima com o cliente, logo torna-se muito mais fácil para o cliente ter um diálogo mais tranquilo e racional e mais analista onde pode falar e usar as palavras que normalmente não utiliza.
Existe um triângulo que é composto pelas emoções, os pensamentos e os comportamentos, sendo que a emoção é a primeira a surgir. Depois é criado um pensamento sobre essa emoção que culmina num comportamento derivado. Em terapia faz-se essa análise observacional, o que é eu sinto e penso de acordo com aquilo que sinto. Aqui vamos tentar descobrir as crenças disfuncionais da pessoa, que salvo alguma situação de vida inesperada, é oriundo do nosso passado.
É preciso criar validar o espaço do cliente, deixá-lo falar e exprimir-se como ele quiser. Numa segunda instância talvez tentar fazer uma observação mais distanciada fazendo a tal ligação triangular. Das primeiras coisas a perguntar é onde e quando é que a pessoa se sentiu desconfortável uma vez que há muitas pessoas que não sabem definir as emoções e dizem que sentiram mal, mas às vezes sentiram-se apenas diferentes e estranhas, o que não é a mesma coisa.
Depois tentamos ir lá atrás ao passado e pergunta-se quando foi a primeira vez que se sentiu dessa forma, para estabelecer o tal paralelo e o próprio cliente é convidado a entender esse paralelo. É aqui que se introduz a parte psico-educativa onde se tenta descobrir o trauma inicial.
É então importante para uma pessoa com baixa autoestima saber dizer a palavra não?
Sim, mas isso já é um resultado de um aumento da sua auto-estima, a capacidade de já conseguir dizer, não. Em terapia fazemos muito isso, a valorização da auto-estima, da pessoa, é comum alocar algumas consultas só para isso, para a pessoa falar de si, das suas características e fazer até um registo de coisas positivas que possam ter acontecido no dia-a-dia. A partir daqui a pessoa começa a ganhar estofo e confiança para depois saber dizer não. Eu costumo dizer que as mudanças estruturais levam algum tempo e as primeiras tentativas vão ser sempre desconfortáveis e é preciso haver esta confiança para que a pessoa não fique assustada quando não consegue logo. É preciso trabalhar nisso e perguntar se a pessoa não sente, por exemplo, um certo alívio quando é capaz de usar essa palavra, e se isso é bom, se a faz sentir melhor.
Fonte: Estado com Arte Magazine