Doença de Parkinson – Há vida para além da doença

A., com 65 anos, vive com doença de Parkinson há mais de 10 anos. Este foi um dos seus primeiros relatos, em consulta de psicologia:

“Este fim de semana foi muito doloroso. Esteve sol mas não tive forças para sair do sofá. Comia, deitava-me. Queria tanto levantar-me para sair até ao parque mas não consegui. Senti o corpo, pouco a pouco, a desfalecer. Apesar de ele [marido] ter feito de tudo para me animar. Não consegui. Foi mais forte que eu. E agora sinto-me culpada. Responsável por estar nesta vida sem ânimo, sem forças. Se não fosse por ele…”

A doença de Parkinson é uma doença que afeta principalmente o controlo do movimento. Ela dá-se através da morte progressiva neuronal numa região específica do cérebro – substância negra – altamente responsável pela produção de um importante neurotransmissor – dopamina – que envia informação a diferentes áreas cerebrais para a produção do movimento corporal.

Esta doença é determinada por duas fases – a fase ON acontece quando a dose medicamentosa (habitualmente o fármaco levodopa) aumenta os níveis de dopamina e, consequentemente, são diminuídos os problemas relacionados com o movimento. Porém, à medida que a medicação é metabolizada pelo organismo, aproximando-se o tempo de nova dose, os valores dopaminérgicos descem e, consequentemente, os sintomas aparecem – fase OFF.

As queixas motoras mais conhecidas são a tradicinésia (lentidão), a rigidez muscular, alterações posturais e o tremor (geralmente com alguma predominância num dos lados do corpo). Mas não é só. Os pesadelos noturnos, perda de olfato, alterações do humor, aumento de ansiedade, comportamentos impulsivos e compulsivos são, entre outros, sintomas não-motores que podem ocorrer.

Em contexto psicológico interventivo com doentes de Parkinson, há uma particularidade sintomatológica que vale a pena sublinhar: a perda gradual do gosto e o evitamento pelas atividades que dantes lhes eram satisfatórias. Os prazeres de folhear um livro ou de caminhar pela natureza tornam-se em dissabores pois quando, em confronto com a doença, o livro torna-se “demasiado pesado e doloroso de segurar e levar” e o exercício físico uma atividade receosa pelo enorme risco de queda de tensão.

Sabe-se, através dos estudos do pânico e medo, que quanto maior for o evitamento da pessoa face às situações que provoquem ansiedade, maior será o medo inerente a elas. Quase que como se dum processo de dependência se tratasse. Assim, torna-se essencial, por meio da terapia, ir ao encontro das atividades desafiantes, promovendo pequenas e confortáveis adaptações, necessárias à nova rotina.

No caso desta paciente, promoveu-se a continuidade da leitura de livros, agora adaptados ao telemóvel, de fácil, leve e rápido acesso, e introduzidos num ambiente que lhe era tão importante e tranquilizante na vida – a natureza (“volto a ganhar vida sempre que leio tranquilamente perto do lago”).

Quanto às caminhadas, reduzimo-las para um ambiente mais seguro e confortável (do ponto de vista do esforço físico) perto de sua casa e acompanhadas pela presença do marido. A paciente acabou por descobrir um pequeno jardim de flores de camélias que nunca antes tinha reparado, tornando-se agora na sua visão de eleição diária.

Os seus momentos habituais na cozinha começaram a ser tarefas divididas com o parceiro, que culminaram na descoberta de um “autêntico chef de cozinha” e, consequentemente, num trabalho terapêutico do casal, potenciando a dinâmica saudável e aproximativa entre os dois elementos da relação. Também, a comunicação entre ambos passou a ter um papel cada vez mais forte: “falamos sobre tudo o que sentimos…não há tabus… eu própria (re)descobri-me ao falar”.

No fundo, apesar de todas as mudanças estruturais e sofrimento que a doença provoca no individuo é importante promover-se a ideia de que a doença não é mais forte do que o “Gosto” pela Vida! A medicação, a reabilitação (seja motora, seja da fala,..) e o apoio psicológico fazem parte desta ideia e são peças essenciais na construção do puzzle do bem-estar e qualidade de vida da pessoa.

[Doença Parkinson] Não podemos curá-la, mas conseguimos (re) significa-la. E é aqui que encontramos a chave para sucesso desta doença: Tornar a vida um pouco mais agradável e prazerosa de se viver, tal como se merece.

Drª Anabela Liberato,
Psicóloga clínica na
OPFC – Clínica Médica do Porto

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